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Cheiro de Natal na Alemanha

19 Dez

Não sei se em algum lugar do mundo o clima de Natal é tão intenso como na Alemanha. Ele inclui a decoração; as músicas; os domingos de Advento; o dia de São Nicolau e a tradicional bota cheia de doces; e os lindos mercados de Natal, que, desde o fim de novembro, trazem às praças das cidades a magia natalina e o perfume de amêndoas caramelizadas e do Glühwein – vinho quente com especiarias.

Folheando uma revista feminina alemã, deparei-me com um artigo que falava sobre como manter a forma nesta época do ano. A dica era: “não vá para o Weinachtsmarkt (mercado de Natal) com fome!”. Mas, com ou sem fome, é difícil resistir às delícias distribuídas entre as barracas de velas, enfeites, bijouterias, gorros, luvas e cachecóis.

Em Bonn, o mercado fica na Münsterplatz e, aberto de segunda a segunda, está sempre cheio. Os dias são frios, e o Glühwein é um dos maiores atrativos. Cada barraca  tem a própria caneca com motivos natalinos, pela qual se paga de 2 a 2,50 euros – o chamado Pfand – além dos 2 euros da bebida. Depois, o freguês decide se pega o dinheiro de volta ou leva o recipiente para casa como lembrança.

Por aqui, provei um Szegediner Gulasch – receita húngara de guisado de carne com chucrute e páprica – igualzinho ao que meu pai prepara de domingo. Essa versão vem dentro de um pão escuro, redondo e quentinho. Também me deliciei com wafel belga coberto com calda de cereja e chantilly – eu queria sem o creme, mas o vendedor me convenceu de que era essencial por “esquentar os pés”.

Por enquanto, deixei passar as tradicionais salsichas no pão, Reibekuchen mit Apfelmus (panqueca de batata com purê de maçã), peixe empanado e frito, castanhas assadas, Germknödel  um bolinho (que de “inho” não tem nada!) tradicional da Baviera e da Áustria, feito de farinha, cozido e coberto com manteiga, calda de baunilha ou de cereja  –, além de outras guloseimas.

Variações sobre o mesmo tema

A vizinha cidade de Colônia é famosa por seus Weinachtsmärkte. De seus seis mercados, o maior é o ao lado da Kölner Dom a mais imponente catedral gótica do mundo –, que atrai 5 milhões de visitantes a cada ano. Por ali, comi Flammkuchen especialidade da Alsácia popular por aqui que consiste de uma espécie de pizza com a massa bem fininha e coberta tradicionalmente por cebola, bacon e nata. Também há uma encantadora barraca tirolesa, em que seus animados e dançantes funcionários me serviram um strudel de chucrute e um dos melhores Apfelstrudels que já comi, bem quentinho e com calda de baunilha.

Entre Bonn e Colônia fica a pequena Siegburg, com cerca de 40 mil habitantes. A cidade abriga um dos mercados natalinos mais curiosos do país: um Weinachtsmarkt medieval. No centro da praça, um ferreiro barbado e vestido com um avental de couro rústico e tamancos de madeira molda um instrumento. Perto dali, crianças divertem-se no carrossel, com javalis e cavalinhos de madeira movidos à manivela. Ao perguntar pelos preços, além de um sorriso, recebe-se dos vendedores vestidos à caráter uma resposta em dialeto da Idade Média: “ein Silberling, bitte” (um euro, por favor).

Como relatou a colega Nádia Pontes na Folha de São Paulo, o mercado de Siegburg é organizado pela sociedade Kramer Zunft und Kurtzweyl, que congrega estudiosos e simpatizantes do espírito de vida medieval. Além das vestimentas e da iluminação toda à luz de velas, as comidas também são particulares, algumas bem diferentes dos demais mercados natalinos.

Uma das barracas vende arroz com especiarias e verduras, servido na casca de repolho. A de doces remete à Turquia, oferecendo quitutes de nozes, damasco, figo. As bebidas quentes também são originais por ali. O Wikingerbluth (sangue de Viking) é uma espécie de Glühwein com cereja. Já o Heiβer Meth é semelhante ao servido em outros  Weinachtsmärkte, mas o nome de seu ingrediente, um vinho de mel, está em dialeto (Meth em vez de Met). As tendas de rodelas de maçã empanadas e fritas e de pão – assado em forno de pedra– também formam filas.

Outras delícias natalinas

De família alemã, sempre tive Natais recheados de guloseimas germânicas. Quando criança, adorava colocar a mão na massa e preparar com a minha avó fornadas de Spekulatius (tradicionais biscoitos de especiarias), Lebkuchen (pão de mel), Vanillekipferln (biscoitinhos de baunilha e amêndoas). Também se comprava Stolen (bolo natalino com frutas) recheado de marzipã e Zimtsterne (estrelinhas à base de amêndoas e canela e cobertas de glacê).

Nos Weinachtsmärkte, fiquei admirada com os biscoitos decorados principalmente os grandes e em formato de coração presentes em todas as festas populares por aqui, com mensagens como “Frohe Weinachten” (“Feliz Natal”) e “Ich liebe dich”   (“Eu te amo”). Também me deliciei com as amêndoas caramelizadas, uma fatia de Stolen de Mohn (papoula) e Kokosmakrone (doce de coco ralado e ovo). Vendem-se ainda guloseimas populares mundo afora, como algodão doce e maça do amor.

Além dos Weinachtsmärkte, os supermercados alemães também ficam repletos de quitutes natalinos. Algo encantador são os calendários de Advento gulosos: de papelão decorado, com “janelinhas” para os dias de dezembro até o Natal, cada uma delas com um chocolate de formato diferente como sino, Papai Noel, anjinho. Os Spekulatius, Lebkuchen e Zimtsterne industrializados são diferentes dos caseiros, é claro, mas os acho gostosos e incrivelmente baratos.

Foi no supermercado que descobri uma genialidade inventada em Dresden em 1936. O chocolatier Herbert Wendler criou os Dominosteine  combinação perfeita de uma camada de Lebkuchen, uma de geléia de damasco e outra de marzipã, cobertas de chocolate. Os quadradinhos do Herr Wendler conquistaram a Alemanha, principalmente na época de Natal.

Deixo abaixo uma receita dos biscoitos Vanillekipferln, traduzida e adaptada do livro Kekse (Naumann & Göbel).

Frohe Weinachten!

Vanillekipferln

Ingredientes (para cerca de 140 unidades):

300g de farinha de trigo
140g de açúcar
1 pitada de sal
4 gemas
1 vagem de baunilha ou 1 colher de chá de essência de baunilha
300g de amêndoas
300g de manteiga
200g de açúcar
Açúcar de baunilha para polvilhar

Modo de preparo:

Peneirar a farinha sobre uma superfície de trabalho. Em um buraco no meio da farinha, despejar o açúcar, o sal, a gema, e a baunilha. Distribuir as amêndoas moídas e a manteiga em flocos sobre a borda de farinha. Misturar todos os ingredientes e trabalhar a massa até ficar homogênea. Formar quatro rolos de cerca de 35 cm de comprimento e colocá-los na geladeira por 30 minutos.

Untar e enfarinhar a forma e cobri-la com papel-manteiga. Pré-aquecer o forno a 180°C. Cortar de 30 a 35 fatias de cada rolo de massa. Fazer um rolinho a partir de cada fatia e formar uma meia-lua. Distribuir os biscoitos sobre a forma, deixando uma distância entre eles. Assar por 10 a 15 minutos, até que as bordas estejam levemente douradas. Misturar o açúcar comum com o de baunilha. Passar os biscoitos ainda quentes na mistura.