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Queen of Tarts

9 Jun

Foto: Luisa FreyThink tarts and treats. Smell coffee grinds and fresh tea. Fine china teacups, mismatched saucers. A hint of glam with the comfort of granny’s.” Diz um quadro na parede do Queen of Tarts, o café mais irresistível de Dublin – irresistível para o estômago e para os olhos.

A fachada vermelha com vasos de flores pendurados no alto e vários reconhecimentos do guia Bridgestone é um convite para entrar. As mesas de madeira e as almofadas sobre os bancos, um convite para sentar. O bule de ágata vermelho e as xícaras floridas sobre as mesas, um convite para um chá preto – pingado de leite, claro.  E a vitrine de bolos e tortas, um convite para a indecisão.

Foto: Luisa FreyDos simples brownies ou scones quentinhos, acompanhados de manteiga e geleia, aos imponentes chocolate fudge cake e sponge cake. A escolha é difícil, mas a experiência invariavelmente deliciosa. Pelo menos as minhas por lá assim o foram. Desde que fui a Dublin pela primeira vez (e quem diria que a vida me levaria mais vezes para lá), o Queen of Tarts virou parada obrigatória.

Desta vez repeti a pedida da primeira vez: strawberry and rhubarb crumble. A massa fina é coberta com muita fruta e uma farofa de cuca saborosa e crocante. O doce da farofa balanceia o azedinho do morango e do ruibarbo. E a porção de chantilly frio intensifica o gosto e a textura da torta quentinha. Ainda posso sentir o sabor e o perfume…

Acho que a primeira vez em que tomei chá com leite foi no Queen of Tarts. E não é que o costume inglês é gostoso? Para mim, combina tão bem com as tortas e bolos quanto o café Lavazza fresquinho servido no local.

Também já provei o crumble – doce de origem britânica, assim como a maioria dos quitutes servidos por ali – de maçã e amora. A maçã quente faz lembrar um apfelstrudel. Do meu acompanhante, biquei um pedaço da tortinha de pera e amêndoa – muito leve e saborosa. Mas, servida fria, fica longe de mais uma experiência quente: pecan and chocolate pie. Eu adoro noz pecan, me faz lembrar de uma receita norte-americana preparada pela minha mãe, com xarope de milho caramelizado e as nozes da enorme árvore em nosso jardim. Mas a versão com chocolate – com massa semelhante à do brownie – também é incrível.

Foto: Luisa Frey

O Queen of Tarts foi aberto em 1998, pelas irmãs irlandesas Regina e Yvonne, formadas em confeitaria em Nova York. Além da bela decoração retrô, as duas estabeleceram um padrão de qualidade que pode ter contribuído para o sucesso do negócio no centro de Dublin. O chocolate utilizado é belga, da marca Callebaut. As maçãs, produzidas na Irlanda. As sopas, feitas no próprio dia. Sim, além de doces, a casa serve sopas, sanduíches e tortas salgadas – com recheios como o de brie, espinafre e pecan. Para acompanhar a refeição, há vinhos franceses e italianos.

Foto: Luisa Frey

Há também um menu de café da manhã – servido das 8h às 12h durante a semana; das 10h às 13h aos sábados e das 10h às 14h aos domingos. As opções vão de salada de frutas ao hearty breakfast: salsicha, bacon, ovos, batata, tomate, relish, torradas, chá ou café. Você também pode levar as delícias para casa, assim como aventais e canecas vendidos no local.

Assim como eu, muitos outros turistas gourmets se encantaram pelo Queen of Tarts. No Tripadvisor, o café é altamente recomendado. No Foursquare, o local tem 1685 check-ins e 152 fotos.

Ainda quero voltar para tirar mais fotos, provar um cheesecake, um scone ou repetir a dose do crumble. E, quem sabe, me inspirar para um dia abrir um café tão charmoso quanto esse.

Queen of Tarts

Dame Street, Dublin 2, Ireland
Tel:+353(01) 633 4681
Segunda à sexta: das 8h às 19h
Sábado: das 9h às 19h
Domingo: das 10 às 18h
http://www.queenoftarts.ie/

Foto: Luisa Frey

Foto: Luisa Frey

Foto: Luisa Frey

O suflê segundo Julia Child

17 Maio

Foto: Luisa Frey

“Cozinhar não é uma arte particularmente difícil e, quanto mais você cozinha e aprende sobre cozinhar, mais sentido ela faz. Mas, como toda arte, ela requer prática e experiência. O ingrediente mais importante que você pode colocar nela é o amor pela cozinha por si mesma.” Assim escreveu Julia Child na abertura de seu clássico Mastering the Art of French Cooking, que uma amiga me presenteou no Natal passado. Para comprovar a veracidade das palavras de Julia, decidi começar me aventurando em uma de suas receitas simples: um suflê.

Julia descreveu o suflê como um molho contendo um aromatizante ou purê, ao qual são incorporadas claras em neve firmes. O prato, leve e fofo, pode ser salgado – com uma base de molho bechamel – ou doce – à base de um creme de pastelaria. De acordo com o Pequeno Dicionário de Gastronomia de Maria Lucia Gomensoro, o nome da iguaria vem do termo francês souffler, que significa respirar.

Julia afirmava que a glória e a leveza de um suflê francês dependem de quão firmes as claras forem batidas e da delicadeza com que forem incorporadas à base da receita. A mestre-cuca ensinou em seu livro que claras batidas corretamente adquirem um volume de sete a oito vezes maior que o original, ficam perfeitamente lisas, livres de grânulos e firmes o suficiente para formar picos quando levantadas pelo batedor. Também alertou que as claras não ficarão em neve se contiverem partículas de gema ou se a tigela e o batedor estiverem úmidos ou gordurosos.

Nesta minha primeira incursão no maravilhoso mundo de Julia Child, optei por um suflê doce, o de café – à base de um creme de baunilha e café solúvel. Tive que me adaptar ao formato das receitas do livro, em que não estão listados todos os ingredientes no início e o modo de preparo a seguir, mas sim cada etapa da receita. Sem contar que, na minha versão em inglês, todas as medidas estão em ounces e pints e tiveram de ser convertidas com a ajuda de uma tabela no início da obra. Mas valeu a pena. O resultado foram suflês individuais com um leve toque de baunilha e o delicioso aroma de café – fofinhos e dourados como Julia dizia que deveriam ser.

O livro de Julia é mesmo um tratado a ser estudado com atenção, para aprender com cada uma de suas dicas – muitas delas ilustradas. Os dez capítulos ensinam a preparar clássicos franceses, que vão desde sopas, molhos, ovos e carnes a bolos e sobremesas. Além dos souffles, as páginas estão recheadas por quiches, ovos poché, fricassées, mousses. A próxima receita que experimentarei será o famoso boeuf bourguignon de Julia – um ensopado à base de carne e vinho tinto.

Quem leu o livro ou assistiu ao recente filme Julie & Julia – escrito por Julie Powell e dirigido por Nora Ephron, respectivamente – pôde conhecer um pouco mais sobre a americana cheia de personalidade, interpretada por Meryl Streep. Nascida em 1912, Julia conheceu Paul Child durante a Segunda Guerra. Depois de casarem-se, os dois mudaram-se para Paris, onde Julia estudou no Le Cordon Bleu e trabalhou com vários chefs franceses.

Em 1951, Julia abriu sua própria escola de cozinha – a L’Ecole des Trois Gourmandes -, com Simone Beck e Louisette Bertholle. As três decidiram escrever juntas o Mastering the Art of French Cooking. O livro, publicado em 1961, foi um sucesso e, dois anos depois, Julia começou a aparecer na popular série de televisão The French Chef, que lhe rendeu um Emmy em 1966. Vários programas de TV e livros se seguiram até a morte de Julia em 2004, dois dias antes de seu 92º aniversário.

A seguir, deixo a minha tradução da receita de suflê de café do Mastering the Art of French Cooking e um vídeo em que Julia Child prepara um suflê – não de café, mas de queijo.

Bon appétit!

Foto: Luisa Frey Suflê de café

Rendimento: 4 pessoas

7g de manteiga amolecida
Uma tigela de 1,2 l
[eu usei cinco tigelas individuais]
Açúcar

Pré-aqueça o forno a 200ºC. Unte a tigela com manteiga e polvilhe o açúcar, cobrindo o fundo e as laterais. Elimine o excesso de açúcar.

A base boulli

Um batedor de arame
20g de farinha
120 ml de leite
60g de açúcar
4 ovos
30 g de manteiga amolecida
1 colher de sopa de café solúvel

Bata a farinha com um pouco de leite em uma panela, até misturar bem. Bata com o restante do leite, o açúcar e o café. Leve ao fogo médio, mexendo sempre, até que a mistura engrosse e comece a ferver. Ferva, mexendo, por 30 segundos. O creme estará bem denso. Retire do fogo e bata por 2 minutos para esfriar. Separe um ovo, despejando a clara em uma tigela e a gema no centro do creme. Incorpore a gema ao creme batendo com o batedor de metal. Faça o mesmo com os outros ovos, um por um. Incorpore a manteiga.

Claras em neve

5 claras
1 pitada de sal
1 colher de sopa de açúcar

Bata as claras com o sal até que leves picos se formem. Polvilhe o açúcar e bata até obter picos firmes.

Finalização

1 colher de sobremesa de extrato de baunilha
Açúcar de confeiteiro

Adicione a baunilha ao creme. Incorpore delicadamente um quarto das claras em neve e depois o restante. Despeje a mistura na tigela, deixando um espaço de 3 cm entre o suflê e o topo da tigela. Coloque no forno a uma temperatura de 190ºC. Em 20 minutos, quando o suflê tiver começado a inflar e dourar, polvilhe rapidamente açúcar de confeiteiro no topo. Após um total de 30 a 35 minutos, o suflê deverá estar bem dourado e um palito enfiado pela lateral deverá sair seco. Sirva imediatamente.

Pazza per il caffè

10 Maio

Foto: Luisa FreyAssim como Antonello Monardo, sou pazza per il caffè. No último fim de semana, o torrefador ítalo-brasileiro deliciou-me com seu livro bilíngue Pazzo per il caffè ou Louco por café, em português, em que narra a história da paixão – sua e de tantos outros – por essa bebida amarga. Também mergulhei no universo cafeeiro na aula de Eliana Relvas – barista, degustadora e profissional especializada em avaliação sensorial de café -, que me ensinou a diferenciar aromas amadeirados ou achocolatados nesse líquido estimulante.

Eu gosto de café desde criança – e não só na xícara. Pode ser bombom, mousse, cappuccino, tiramisù ou sorvete de café. Tal delícia gelada é a minha comfort food, pois me lembra das tardes com minha avó na confeitaria Brunella, quando comíamos uma casquinha daquele que é seu sabor predileto e passaria a ser o meu também.

Para o calabrês Antonello, que vive desde 1992 no Brasil, o café, mais do que um gosto, tornou-se uma missão de vida. “Na cidade onde nasceu, criado à beira mar, ele tomava café, muito café. O que não chega a ser uma novidade, porque ser italiano é ser, em grande escala, obcecado por café”, escreve no livro Louco por café o jornalista Leandro Fortes, responsável por colocar a saga de Antonello no papel.

Em Brasília, depois de importar produtos de gastronomia e maquinário de padaria, abrir uma sorveteria e produzir tiramisù para vender a hotéis e restaurantes, finalmente o comerciante italiano encontrou o café brasileiro. Em 2002, ele criou a marca Antonello Caffè Espresso e logo lançou um curso de barista na capital federal.

“De certa forma, fez do café um resgate da história do avô e dos imigrantes italianos jogados, aos milhares, nas lavouras antes ocupadas pelos escravos, em fins do século XX”, diz Fortes. O avô Domenico havia vindo ao Brasil em 1926, em busca de uma nova vida deste lado do Atlântico. Junto com outros milhares de imigrantes, ele ajudaria a consolidar a cultura cafeeira no país.

Imagem: editora SenacPara Antonello, “o café pode ser produzido onde for, mas será sempre um produto da Itália, tanto quanto é o bacalhau para os portugueses, embora nem um nem outro sejam frutos das terras que tão ardorosamente consomem”. Pode até ser que os italianos valorizem mais o café do que nós brasileiros, fãs de “cafezinho” – considerada pelo italiano uma forma depreciativa de referir-se à bebida. Mas o Brasil produz café como ninguém.

O próprio livro de Antonello afirma que o melhor café do mundo é o do tipo arábica e o Brasil tem o melhor arábica do mundo. Somos o país que mais produz e exporta café, sendo o estado de Minas Gerais nosso maior produtor desse grão cuja história no país ainda não completou 300 anos.

Eliana Relvas contou, em uma aula do curso de Jornalismo Gastronômico oferecido pelo Senac, que as primeiras mudas de café foram trazidas às terras tupiniquins em 1727, pelo sargento-mor Francisco de Mello Palheta. Porém, a origem da bebida vem de muito mais longe.

Diz a lenda que em 575, nos campos da Abissínia (Etiópia), um pastor chamado Kaldi percebeu que suas cabras ficavam extremamente bem dispostas ao comerem as frutinhas vermelhas que, mais tarde, seriam descobertas como excelentes quando torradas.

Eliana percorreu a história da iguaria até as tendências atuais, incluindo cápsulas de café e máquinas de espresso domésticas. Ela explicou ainda que o ponto de torra é o responsável pela formação das substâncias de aroma e sabor do café.

Também degustamos e aprendemos a diferença na composição ou blend dos três tipos de café: tradicional – grãos variados, torra mais escura, moagem mais fina –; superior – grãos selecionados, torra e moagem médias –; gourmet – 100% café arábica, não usa grãos imaturos ou quebrados, torra e moagem médias.

Fiquei feliz ao conseguir identificar aromas de madeira em um café tradicional, de chocolate em um superior, e de caramelo em um gourmet. E, como diz Eliana, tão gostoso como um espresso, pode ser um café passado no filtro de pano que lembra a casa da avó. Seja um gourmet, apreciado por Antonello e tomado em um encontro de negócios, ou o passado em filtro de papel todas as manhãs, o café não só estimula, mas inebria e aguça os sentidos e a curiosidade.

E aí? Vai um cafezinho?

Segue uma receita (ainda não testei, mas pretendo e já deixei alguns toques) do livro Louco por café*, de Antonello Monardo:

Biscoito de café e canela

Ingredientes:
500 g de farinha de trigo
250 g de açúcar
400 g de margarina [eu sempre prefiro manteiga]
4 colheres de sopa de canela em pó
Açúcar e canela para polvilhar
1 café espresso curto [pode ser uma xícara de cafezinho bem forte]

Modo de preparo:
Amasse a farinha, o açúcar, a margarina, a canela e o café até obter uma massa homogênea.
Abra a massa com um rolo em uma superfície enfarinhada, até ficar com meio centímetro de espessura.
Corte com o cortador de biscoito [forminhas] ou a boca de uma taça de licor.
Asse em assadeira [untada e] enfarinhada.
Quando estiverem dourados, retire-os do forno e polvilhe o açúcar e a canela sobre os biscoitos ainda quentes.

*Um detalhe: encontrei o livro de Antonello em um saldão da Fnac por apenas R$5! Pode? Há algumas semanas comprei outra pechincha na mesma livraria: Brasil: ritmos e receitas, da Morena Leite, por R$10.